26 maio 2011


A TERMINOLOGIA COMO MECANISMO DE CONSTITUIÇÃO DA ÁREA DE CONHECIMENTO DA ARQUIVOLOGIA

Pedro Felipy Cunha da Silva (UEPB) pedrofelipy@hotmail.com[1]
Ana Julia Soares Cardoso (UEPB) anajulia.julia@hotmail.com[2]
Francineide Batista do Nascimento (UEPB) mailto:francnasc_2@hotmail.com[3]
Wellington Barbosa de Lima (UEPB) wellington_barbosa@hotmail.com[4]
Francinete Fernandes de Souza (Orientadora UEPB) neteducadora@gmail.com[5]


Resumo

Este artigo analisa o atual estágio da Ciência da Informação quanto à definição do seu objeto de estudo e a Terminologia como mecanismo de constituição de uma área de conhecimento, com base na literatura acerca do tema, com o objetivo de identificar as relações interdisciplinares entre a Arquivologia, enquanto Ciência da Informação, e o papel das linguagens de especialidade na definição das propriedades científicas dessa ciência. Utilizou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, para a qual foram utilizados textos nacionais e internacionais de livros e periódicos em meio digital. O resultado do trabalho foi a realização do seminário “A função da terminologia na construção do objeto da Ciência da Informação”, apresentado pelos alunos pioneiros de Arquivologia da UEPB ao componente curricular Análise Documentária I. Concluiu-se que é de fundamental importância a elaboração de um vocabulário para a área, de maneira a contemplar o objeto, seu processo de definição e os métodos a serem utilizados para a sua investigação e análise.


Palavras-chave: Ciência da Informação. Arquivologia. Terminologia.

1  Introdução

O presente trabalho foi formatado com base na leitura e na reflexão do texto “A função da terminologia na construção do objeto da Ciência da Informação¨ (CI), escrito por Nair Yumiko Kobashi, Johanna W. Smit e Maria de Fátima G.M. Tálamo (2001), de onde foram extraídas palavras-chave, com o intuito de aprofundar e fazer a devida verificação do posicionamento teórico dos autores.
A busca da definição do objeto da Ciência da Informação será o foco norteador do trabalho que, com a pretensão de continuar aprofundando o assunto, à luz da convicção de que a ruptura de paradigmas é o grande desafio das ciências, procura resgatar a relação teoria/prática para torná-la efetivamente científica.


O texto levanta aspectos que possam apontar definições mais precisas acerca do objeto científico da Ciência da Informação. Para os autores, esse fenômeno acontece em função da chamada alteração do tempo histórico, que “consiste na impressão de que o homem deste século passou por um número de experiências bem mais diversificado do que o de qualquer outro período anterior¨ (LOPES, 1997, p. 11).


Com o advento do avanço tecnológico, a Ciência da Informação teve um corte epistemológico para dar respostas às questões práticas impostas pelo seu tempo. Além disso, houve e ainda há uma tendência ao privilégio do tecnicismo em relação às reflexões mais profundas, próprias das ciências mais elaboradas.
Esse fenômeno dá uma impressão de que a Ciência da Informação é a-histórica, não apresenta uma seqüência, uma evolução, um continuum. Com base nessa idéia, o texto alerta para a urgência da reflexão acadêmica, para que os cursos de pós-graduação dessa área desenvolvam aquilo que lhes é de direito e de dever, delegando às graduações o despertar da “racionalidade acadêmico-reflexiva, fundamental para a institucionalização da identidade do campo.” (KOBASHI, SMITH e TÁLAMO, 2001).


1.1   Sociedade da Informação


As tecnologias da informação e comunicação, suporte de estudos lingüísticos, vieram impulsionar a criação e a introdução de novos métodos na investigação lexicológica e lexicográfica e trouxeram enormes benefícios, tanto em nível de qualidade quanto de quantidade dos produtos obtidos na sociedade informação.
Essa sociedade da informação está em plena constituição acompanhada do avanço do acesso informacional em suporte eletrônico, na qual são utilizadas tecnologias de armazenamento, de transmissão de dados e informação de baixo custo. Essas tecnologias vieram impulsionar a criação e a introdução de novos métodos na investigação lexicológica e lexicográfica e trouxeram enormes benefícios tanto á qualicidade quanto à quanticidade dos produtos obtidos.
A democratização da informação, o desenvolvimento das tecnologias da informação, os inúmeros instrumentos que se põem à disposição do usuário e a sua operacionalidade permitem que os lingüistas e todos os profissionais da língua utilizem diretamente esse meio nas suas pesquisas, adaptando-os eficazmente as suas necessidades. A resistência de muitos (as) educadores (as) a usarem as novas tecnologias na pesquisa pessoal e na sala de aula tem muito a ver com a insegurança do falso receio de estar sendo superado (a), no plano cognitivo, pelos recursos instrumentais da informática. Sobre essa temática, Hasmann (2000) afirma que é preciso distanciar-se tanto dos escolhos do tecnootimismo ingênuo (tecnointegrados) quanto do rechaço medroso da técnica (tecnoapocalipticos).
Em muitos ambientes escolares, persiste o receio preconceituoso de que a mídia despersonaliza, anestesia as consciências e é uma ameaça à subjetividade. Nesse sentido, convém salientar que a função do (a) educador (a) competente não só não está ameaçada e ainda aumenta em importância. Seu novo papel já não será o de transmissor de saberes supostamente prontos, mas o de mentor e investigador ativo de uma nova dinâmica de pesquisa-aprendizagem.
A investigação lingüística, com a análise e o tratamento automático da informação, tem evoluído bastante, aproximando-se estreitamente da informática e dos seus recursos. Desse modo, a engenharia lingüística vem se afirmando como uma área produtora de inúmeros materiais eletrônicos muito úteis tanto à pesquisa lingüística quanto à realização de trabalhos de tradução.
Na engenharia lingüística, destacamos a Terminoótica como área auxiliar da investigação lingüística, da elaboração de materiais dicionarísticos e resultante da intervenção participativa das tecnologias da informação na terminologia aplicada.  Além disso, tem impulsionado a criação de diversos programas informáticos que vêm contribuindo para seu desenvolvimento, em relação à implantação das indústrias da língua. A utilização de instrumentos informáticos adequados torna a análise textual mais rápida e eficiente.
As tecnologias da informação, ao proporcionar a utilização de programas específicos, facilitam a informatização de textos e a preparação de Corpora. A partir disso, é possível elaborar bases textuais, que armazenam e tratam um grande volume de informação. Elas possibilitam a realização de análise textual e execução de diversos tipos de pesquisa e gestão de recursos lingüísticos, tratamento automático extensivo e intensivo da informação textual, observação do funcionamento real das unidades lingüísticas em contexto, identificação e repertório de termos, pesquisa de formantes, pesquisa de definições e estudos comparativos de diversos aspectos lingüísticos. Permitem, ainda, a constituição de muitos trabalhos, entre outros, a de bancos de dados de termos, glossários, dicionários informatizados, acesso multilíngüe a bases de dados, transferências de dados (importação/exportação de ficheiros), tradução assistida e comunicação em tempo real.
Realçamos também a importância do acesso generalizado à internet, que veio introduzir alterações profundas, revolucionando a metodologia de trabalho em lexicologia e terminologia na atual sociedade da informação. Através de motores potentes de pesquisa (Yahoo!, Google, Altavista,etc.), em poucos segundos, a internet faculta o acesso rápido e, por vezes, gratuito, a localização de sites que dão respostas a interrogações que estabelecem dúvidas e que fornecem também materiais indispensáveis à investigação.
O internauta tem à sua disposição grande variedade de programas de extração, gestão e tratamento de dados, inúmeros bancos terminológicos e dicionários on-line. A internet possibilita a criação de redes informatizadas de produção e de troca de dados, a realização de trabalho a distância, oferece o learning, que permite uma atualização constante dos dados, face à evolução dos conhecimentos, e faculta a difusão eletrônica dos produtos lexográficos e terminológicos.




2  Ciência da Informação e interdisciplinaridade



A ciência da informação, segundo Pinheiro (2006, p. 5), em contraposição ao dito a-historicismo da Ciência da Informação, e considerando sua natureza interdisciplinar, levanta três fases:


·         Fase conceitual e de reconhecimento interdisciplinar (1961/62), baseada na definição de Borko (1968) colocada nas reflexões do artigo de Taylor, publicado no ARIST em 1966, que coloca que a Ciência da Informação é “uma ciência interdisciplinar derivada e relacionada com a matemática, a lógica, a lingüística, a psicologia, a tecnologia de computadores, a pesquisa operacional, as artes gráficas, as comunicações, a biblioteconomia, a administração e assuntos correlatos. ¨
Essa percepção de ciência interdisciplinar procura afinidades conceituais e identificação da Ciência da Informação com outras demais, explicitando as possibilidades de interseção.


·         Fase de delimitação do terreno epistemológico (1970/89) - Nesse período, Pinheiro cita diversos autores que se preocupam em criar um terreno científico para a Ciência da Informação. Nas definições, há um cuidado em incluir as disciplinas no próprio conceito de Ciência da Informação, a exemplo de Foskett (1980, citado por Pinheiro, p. 7), que refere:


... surge de uma fertilização cruzada de idéias que incluem a velha arte da biblioteconomia, a nova era da computação, as artes dos novos meios de comunicação, e aquelas ciências como a Psicologia e Lingüística que, em sua formas modernas, têm a ver diretamente com todos os problemas da comunicação – a transferência da informação.


         É uma demonstração de como as disciplinas são essenciais para a composição da Ciência da Informação. Pinheiro cita, também, nessa lógica das disciplinas que compõem o campo da Ciência da Informação, Wersig e Nevelling (1975). Sobre os campos interdisciplinares, os autores destacam parte da Matemática, da Lógica, da Filosofia da Ciência, da Gramática transformacional e da Teoria Matemática da Comunicação. Eles reconhecem que há conexão da Ciência da Informação com algumas áreas tradicionais, entre as quais, “Psicologia (Psicologia da informação), Sociologia (Sociologia da informação), Economia (Economia da informação), Ciência política (Política da informação) e Tecnologia (Tecnologia da informação)”.


          Nesse sentido, continua Pinheiro (2006, p. 7), os dois autores declinam para a concepção da Ciência da Informação enquanto disciplina:


...além de Biblioteconomia, Arquivologia, Museologia, Comunicação e Educação. Este conjunto de disciplinas aparece vinculado à Teoria da informação, contém áreas e teorias que se relacionariam com a Ciência da Informação: Cibernética, Semiótica, Teoria dos sistemas, Teoria da comunicação, Filosofia, Ciência da Ciência, Matemática, Lingüística, Direito e Ciência da Computação. É oportuno observar que, no conjunto, as áreas propriamente ditas estão entremeadas por teorias de caráter geral, como a Teoria dos Sistemas, portanto, aplicáveis a diferentes ciências.




·         Fase da consolidação da denominação e de alguns princípios, métodos e teorias e aprofundamento da discussão sobre interdisciplinaridade com outras áreas (1990) - Aqui Saracevic e Japiassu surgem com um acúmulo teórico presente até os dias atuais.




À luz dos conceitos elaborados por Foskett, é possível adentrar na teoria de Saracevic sobre a interdisciplinaridade no campo da Ciência da Informação, a partir de sua reflexão de que “a história de qualquer campo é a história de poucas, mas vigorosas idéias  (Tefko Saracevic, 1996). Nesse caso, Saracevic, citado por Pinheiro (1999, p. 10) expõe, no caso da Ciência da Informação, quais seriam as três idéias, a saber:


¨1- nos anos 50, a recuperação da informação baseada na lógica formal;
2- o conceito de relevância, diretamente orientado e associado às necessidades humanas e valor de informação;
3- a interação, surgida duas décadas depois, diretamente relacionada à realimentação entre sistemas e pessoas, no processo de recuperação da informação.¨


Note-se bem que a proposta tem uma semelhança metodológica com a prática da pesquisa científica, em qualquer campo, e a Ciência da Informação tem procurado seu objeto, que se encaixará precisamente no conceito.
Tratando-se da Ciência da Informação, segundo Pinheiro (1999, p. Saracevic relata duas justificativas para a interdisciplinaridade na Ciência da informação, quais sejam:


¨1º. Seus problemas não podem ser resolvidos por abordagens ou construtos de uma única disciplina ( Pinheiro, 1999, P. 10).


2º. A interdisciplinaridade foi introduzida na área (...) pelas muitas diferenças de formação e áreas de origem das pessoas que tratam dos problemas da Ciência da Informação. (Pinheiro, 1999, P. 11).¨


Aliando-se a preocupação de Saracevic e de Foskett às disciplinas que compõem a Ciência da Informação e às idéias, as justificativas da interdisciplinaridade, nesse contexto, e a necessidade de incluir, nos programas de pós-graduação em Ciência da Informação, conteúdos mais reflexivos, voltemo-nos, então, para o diagrama baseado no Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação do IBICT, no qual a área é constituída por doze disciplinas ou subáreas:


1. Epistemologia da Ciência da Informação;
2. Informação, cultura e sociedade;
3. Administração de sistemas de informação;
4. Automação;
5. Comunicação científica e tecnológica;
6. Bibliometria;
7. Representação da informação;
8. Sistemas de recuperação da informação;
9. Estudos de usuários;
10. Redes e sistemas de informação;
11. Economia da informação;
12. Divulgação científica.


Em comparação com o diagrama elaborado por Malheiro (2003), em sua reflexão sobre o campo, incluem-se dois elementos novos nesta proposta: o primeiro é o reconhecimento da Arquivística definitivamente no campo da Ciência da Informação, e o segundo é a abordagem do conceito de transdisciplinaridade, tendo como base a epistemologia da Biblioteconomia e da Arquivologia, em relação ao estudo do campo da Ciência da Informação.

3 A terminologia como mecanismo de constituição da área de conhecimento

Estudos diversos sobre a ciência da informação a apontam como uma área na qual o objeto de estudo ainda não está bem definido ou como uma área sobre cujo objeto de investigação científica os especialistas ainda não têm um consenso.
A ciência da informação aparece como um significante, cujo significado está perdido/oculto em decorrência de o seu processo de reflexão epistemológica não ter acompanhado a velocidade com que os estudos sobre a informação avançaram ao longo dos últimos anos (KOBASI, SMIT e TÁLAMO). A elaboração de uma terminologia para essa área seria uma ferramenta importante no restabelecimento do significado da informação, que se perdeu ao longo da história desse campo.
         É de extrema importância para os estudiosos de qualquer ciência o estabelecimento de uma linguagem que atenda, ao menos, às necessidades comunicacionais dos cientistas, e talvez esse seja um dos problemas da ciência da informação. Se aqueles que investigam a CI no estado da Paraíba caracterizam a informação de maneira diferente dos que estudam a CI no Distrito Federal, por exemplo, essa ciência jamais irá alcançar o amadurecimento científico necessário para contribuir efetivamente com as relações sociais. Com isso, não sugerimos um estado de uniformização científica, muito menos, de conceitos fechados, porque, em ciência, conceitos fechados são sinônimos de estagnação, e a ciência é dinâmica por natureza e deve sempre estar fazendo críticas a si mesma, num processo dialético imprescindível ao seu amadurecimento. Porém, o mínimo de unidade se faz necessário. Se uma ciência não consegue comunicar-se internamente, ela não conseguirá ter sucesso ao comunicar os benefícios de suas análises para a sociedade.
         Entendemos por Ciência da Informação um conjunto de disciplinas que se relacionam, com objetivos diferentes, porém com objeto igual – a informação, analisada sob pontos de vistas distintos pelas diferentes áreas que a estudam (informação documentária, informação arquivística, informação bibliográfica, informação computacional, entre outras). O fato de a CI ser uma ciência interdisciplinar não significa que ela tenha que abrir mão de suas especificidades em detrimento do que já foi produzido pelas áreas afins. O que deve ser feito é um aproveitamento das terminologias já utilizadas, afinal, o que já existe tem toda a importância para o estabelecimento da linguagem que se planeja criar. Porém, é preciso adotar conceitos próprios, que definam claramente o objeto da CI nas suas características intrínsecas.
Em estudos sobre Semiótica, Pierce (SANTAELLA, 1995) era adepto da criação de novas palavras para designar significados científicos novos. O que a ciência da informação precisa fazer é reunir os conceitos já existentes, avaliar a sua aplicabilidade no contexto atual, criar, de maneira responsável, seus conceitos próprios e, a partir daí, estabelecer uma linguagem de especialidade que possibilite a autonomia científica de que necessita.
                        De acordo com Cabré (1993, p.14.), outro autor, Sagre,  defendia que “... estudiar uma materia equivale a aprender los lenguajes de esa materia.” Daí a importância do estabelecimento de uma linguagem da área. Precisamos substituir a linguagem natural por uma linguagem científica específica, que atribua à Ciência da Informação seu modo próprio de explicar e interpretar a realidade, caso contrário, estaremos definindo nosso objeto de acordo com o que a linguagem natural nos propõe, inserindo-nos no senso comum, e alimentando ainda mais o nível de indeterminação conceitual no qual estamos colocados.
Através de críticas ao modo como nos apropriamos de conceitos de outras áreas e de críticas à ausência de normalização da CI, entenderemos quão importante é o domínio da linguagem de nossa área para a sua compreensão e conhecimento plenos. A  terminologia arquivística será constituída de uma linguagem de especialidade, formada por um vocabulário organizado lógica e semanticamente.
                     Outro fator a ser considerado nesse processo é o fato de, na terminologia, ser bastante complexa a criação de termos de uma área cujo objeto ainda não foi bem especificado. Segundo Lara (2004), o trabalho terminológico tem no conceito seu ponto de partida.  Nas normas terminológicas, o conceito é uma unidade abstrata, criada a partir de uma combinação única de características. Os conceitos são representados pelos termos, que são designações verbais. O termo é considerado a unidade mínima da terminologia. Mais especificamente, o termo é uma designação que corresponde a um conceito em uma linguagem de especialidade. É um signo lingüístico que difere da palavra, unidade da língua geral, por ser qualificado no interior de um discurso de especialidade. Uma palavra tem propriedades (como em um dicionário de língua), mas tem muitos significados, porquanto é um elemento do léxico da língua. Um termo, ao contrário, é uma palavra contextualizada no discurso, tendo, conseqüentemente, um referente de interpretação. Qual seria, então, o referente de interpretação para a terminologia da Ciência da Informação se a informação ainda não tem seu significado estabelecido?
                     Se, na lingüística, o importante são os significados, o uso que se faz das palavras, as suas propriedades, na terminologia, o importante é a relação das palavras com o que está fora da linguagem, ou seja, as propriedades de um objeto (na ciência da informação ainda a ser definido) dentro de um campo de saber ou atividade. Por esse motivo, é importante identificar quais são as relações existentes entre as propriedades do objeto da informação e a Ciência da Informação.
                     O estágio atual da terminologia da CI não é consistente, em virtude de essa ciência ter pleiteado o status científico tardiamente. Hoje temos um quadro de retardamento teórico imenso em relação a outras ciências. Esse retardamento teórico se deve à ausência de um assentamento conceitual e à existência das ambivalências semânticas em seus termos, que provocam confusões nos estudos e nas pesquisas da área (KOBASHI, SMIT e TÁLAMO, 2001).
                     A CI passou por uma série de transformações ao longo dos últimos anos, cresceu e se subdividiu inúmeras vezes, de forma mais acentuada, com o advento da informática e de todas as tecnologias da informação. Precisa-se, assim, resgatar os quadros históricos dessas mudanças, refletir criticamente sobre a influência dessas mudanças no campo epistemológico e terminológico, avaliar quais, dentre todos os sub-domínios criados, são os pontos de ligação que os fazem parte de um todo da CI e, por fim, elaborar um vocabulário para a área que determine seus termos, utilizando como referência as denominações já empregadas e as que ainda precisam ser criadas, de maneira a contemplar o objeto, o processo de definição de objeto e os métodos a serem utilizados para a sua investigação e análise. Somente através da identificação e, quando necessário, do resgate de todo o sistema de geração de sentido é que se conseguirá constituir um vocabulário para a Ciência da Informação que atenda à necessidade da área, de seus pesquisadores e da sociedade, como usuária final desses estudos.


3        A lingüística e a sua interface com a ciência da informação

Por que precisamos entender a língua?
Segundo Saussure, “a língua é um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social, para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos. Trata-se de um tesouro depositado pela prática da fala em todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade, um sistema gramatical que existe virtualmente em cada cérebro ou, mais exatamente, nos cérebros de conjunto de indivíduos, pois a língua não está completa em nenhum, e só na massa ela existe.”
Ele afirma também que o signo é a junção de dois elementos básicos, o significante e o significado. Quando pensamos, por exemplo, na idéia de pétalas, caule, folha, isto é o significante. Mas quando pensamos em uma rosa vermelha, já temos uma caracterização mais específica, o que determina o significado.
E o entendimento se dá quando intencionamos fazer uma representação cognitiva do universo, através da qual as pessoas constroem suas relações. São fenômenos inerentes ao ser que vive em constante evolução, mesmo sendo complexo, arbitrário, irregular e repleto de ambigüidade, com alto grau de variações.
Então, a língua nada mais é do que um conjunto de palavras que são utilizadas por um povo, de acordo com as regras (gramaticais) de cada lugar.
A linguagem é um tema importante nas interfaces da Ciência da Informação, porque trabalha com duas correntes no campo da documentação: a corrente teórica, que pesquisa a viabilidade da recuperação de informações via linguagem natural, e a corrente que trabalha no desenvolvimento da linguagem documentária, mas procurando seus subsídios na estatística, na ciência cognitiva, na lógica, na lingüística, na matemática, na ciência da terminologia, entre outras.
Temos outras definições de língua. Segundo o minidicionário “Aurélio”, é um substantivo feminino, o uso da palavra como meio de expressão e de comunicação entre pessoas. Conclui-se, portanto, a importância do estudo da Semiótica e a Semântica na área arquivística.
Semiótica é a ciência dos signos. As relações semânticas para Saussure, é a formação de cada palavra em particular estão estabilidades dentro de cada língua, o sujeito, o contexto e a história não são revelados; são, antes de tudo, preteridos pela forma que a língua revela.


4 A temática da Lingüística e a Ciência da Informação


As duas disciplinas que estamos propondo fazer interagir, o que não é propriamente uma ação inovadora, são a Ciência da Informação e a Lingüística. A Lingüística contribui para a questão do desenvolvimento da linguagem e da tecnologia que faz parte do campo documental.
Uma definição mais antiga e que ganhou aceitação a partir da conferência de Georgia Institute of Technology foi a de que a CI é uma “Ciência que investiga as propriedades e o comportamento da informação, as forças que governam o fluxo de informação e os meios de processar a informação para ótima acessibilidade e uso. O processo inclui a origem, a disseminação, a coleta, a organização, o armazenamento, a recuperação, a interpretação e o uso da informação. O campo está relacionado com a Matemática, a Lógica, a Lingüística, a Psicologia, a tecnologia da computação, a pesquisa operacional, as artes gráficas, a comunicação, a biblioteconomia, a administração e algumas outras áreas.”
Não podemos, no entanto, esquecer a definição do professor Malheiros, para quem “a ciência da informação é um campo científico que exige, para afirmar-se, a aproximação transdisciplinar de saberes”.
Assim, a CI se responsabiliza pelo tratamento e pela transmissão dos conhecimentos estudados pelas outras áreas de conhecimento.
A CI trata de todos os tipos de informação, mas a informação é uma abstração informal, que representa algo significativo para alguém através de textos, imagens, sons ou animação. Essa mesma informação ultrapassa a recuperação da informação, porque está dentro de um sistema de comunicação de conhecimento, uma relação entre o gerador e o usuário e entre este e a informação desejada. É necessário, então, que o usuário forneça o mesmo conjunto de informações, em diferentes épocas.
Significando também fatos a todos os tipos de matérias presentes em livros, que pode se expressar em palavras ou imagens.
Segundo Kobachi (1999) é preciso“analisar todos os campos da documentação no intuito de sistematizar a interface lingüística e ciência da informação e na busca de unificar a teoria para o campo da informação”.

Referências



LARA, Maria Lopez Ginez. Diferenças conceituais sobre termos e definições e implicações na organização da linguagem documentária. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ci/v33n2/a09v33n2.pdf.


LARA, Maria Lopez Ginez. Linguagem documentária e terminologia. Disponível em http://www.datagramazero.org.br/out07/Art_01.htm.


DIAS, Cláudia Augusto. Terminologia: conceitos e aplicações. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ci/v29n1/v29n1a9.pdf.


SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. Coleção Primeiros Passos. Editora Brasiliense.


LARA, Maria Lopez Ginez, TÁLAMO, Maria de Fátima Gonçalves Moreira. Uma experiência na interface lingüística documentária e terminologia.


LARA, Maria Lopez Ginez, TÁLAMO, Maria de Fátima Gonçalves Moreira. A determinação do campo científico da ciência da informação: uma abordagem terminológica.


CABRÉ, M.T. 1993. La terminologia: teoria, metodologia, aplicaciones. Barcelona: Antártida/Empúries, 1993.


LARA, Maria Lopez Ginez, TÁLAMO, Maria de Fátima Gonçalves Moreira. Novas relações entre terminologia e ciência da informação na perspectiva de um conceito contemporâneo de informação.


PINHEIRO, L. V. R. . Ciência da Informação: desdobramentos disciplinares, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. In: GONZÁLEZ DE GÓMEZ, Maria Nélida; ORRICO, Evelyn Goyannes Dill. (Org.). Políticas de memória e informação: reflexos na organização do conhecimento. Natal: Editora Universitária da UFRN/EDUFRN,2006,v,p.111-141. Disponível em: http://www.uff.br/ppgci/editais/lenavanialeituras.pdf.


PINHEIRO, L. V. R. (Docente), 2006. Movimentos interdisciplinares e rede conceitual na Ciência da Informação; Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (ENANCIB): VII ENANCIB, 1, ISBN: Português, Meio digital. Disponível em http://www.uff.br/ppgci/editais/lenavanialeituras.pdf.


SILVA, Armando Malheiro da. Ribeiro, Fernanda. Das Ciências Documentais à Ciência da Informação. Edições Afrontamento, 2003.


MARQUES, Maria Helena Duarte. Iniciação à Semântica – 6 ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar.Ed., 2003.


FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia.










[1]              Estudante do Curso de Arquivologia da UEPB.
[2]              Pedagoga e estudante do Curso de Arquivologia da UEPB.
[3]              Estudante do Curso de Arquivologia da UEPB.
[4]              Estudante do Curso de Arquivologia da UEPB.
[5]              Professora do Curso de Arquivologia da UEPB. Doutoranda do Curso de Letras da UFPB.



A ARQUIVISTICA, A HISTÓRIA E SUAS DIFERENCIAÇÕES CONCEITUAIS: estudo de caso sobre a documentação produzida nas religiões de matriz afro-indígena na Paraíba
Ana Julia Soares Cardoso[1] - anajulia.julia@hotmail.com
Francinete F. de Sousa [2] - neteducadora@gmail.com[2]




RESUMO: A gestão documental no terceiro setor vem contribuir para área da Arquivologia, no sentido de possibilitar ao arquivista outro modo de atuar em campos que o colocam como um protagonista no tratamento da informação.  O presente artigo, assim, busca  fazer uma análise preliminar das documentações do setor de religiões de origem afro-indígena, especificamente, o rito da jurema sagrada na Paraíba, levantando questões como preservação do patrimônio material e imaterial do nosso povo. Para tanto, é necessário que se faça uma distinção objetiva do trabalho e desempenho do arquivista em relação a outras ciências afins, em especial à História, uma vez que se trata de um mesmo objeto de estudo com um olhar diferenciado, ou seja, à Arquivologia cabe a gestão documental com o papel de dinamizar não só as atividades de produção, tramitação, classificação, avaliação e arquivamento dos documentos, mas de possibilitar um planejamento estratégico das ações, viabilizando a acessibilidade das informações produzidas, bem como a preservação dos bens culturais.

Palavras - chave: GESTÃO DE DOCUMENTOS, TERCEIRO SETOR, DOCUMENTAÇÃO DE RELIGIÕES DE ORIGEM AFRO-INDÍGENA, ARQUIVÍSTICA



[1]              Pedagoga - Educanda do curso de Arquivologia – Universidade Estadual da Paraíba – UEPB – Brasil.
[2]              Profª Dra. do curso de Arquivologia – Universidade Estadual da Paraíba – UEPB – Brasil - Orientadora do trabalho.

INTRODUÇÃO


A arquivística é uma ciência que abrange uma série de fases temporais na área documental. Os autores da área dividem a existência dos documentos em três idades quais sejam: corrente, intermediária e permanente ou histórica. Nos deteremos à chamada terceira idade documental que seria a permanente ou histórica, pois há de se reconhecer que, em todos os lugares do mundo em que se organizou minimamente o arquivo, tinha-se, pelo menos teoricamente, uma idéia de organização para otimização de trabalhos e funções e a garantia da utilização das futuras gerações da história construída no agora, imediato.
Por isso, em se tratando da arquivística formal, pensando-se na mera relação do suporte de papel, do arquivista e do usuário, ainda que problemática em função da intervenção dos métodos de biblioteconomia e da falta de uma nomenclatura própria para área específica de arquivos é um questionamento infinitamente menor quando se propõe o levantamento de uma documentação num setor vivido à margem da sociedade com uma cultura que sobreviveu aos massacres psicológicos de outras religiões e à própria intolerância religiosa.
Além disso, existem alguns paradigmas a ser rompidos no que tange à função da arquivística na busca e sistematização de documentos especialmente no setor de religiões de matriz afro-indígena, portanto, necessita-se de algumas definições sobre: Qual o papel do arquivista e do historiador na relação direta com os arquivos históricos? Como pensar a gestão de documentos a partir da luta pela restauração de um patrimônio material e imaterial de setores chamados excluídos ou mesmo outsiders, considerando sua diversidade? Existe uma relação ideológica no trato com os arquivos, o que justificaria a importância dada a preservação de arquivos de um setor em detrimento de outro, em especial dos que vivem à margem da sociedade?
Portanto, a pretensão deste artigo é a de (re) pensar uma arquivística voltada para a pesquisa em todas as áreas do conhecimento que dele necessitam, estudando o papel do arquivista e do historiador no levantamento de fontes documentais. Em um segundo momento, o texto dirigir-se-á à problemática do Acais – sítio localizado na entrada do município de Alhandra/Paraíba, considerado o berço da Jurema Sagrada do nordeste – sobre a importância dos documentos necessários para garantir o tombamento daquelas terras e a construção do museu da Jurema Sagrada e, por último, o questionamento da neutralidade do arquivo e do arquivista na sociedade contemporânea.
A arquivística, pensada inicialmente para organizar documentos na pós-revolução francesa sob a égide de manter viva a história de luta daquela nação passou por desdobramentos que refletiam sobre quais documentos deveriam ser preservados, pois imaginava-se, e isso é uma tendência natural em finais de conflitos, em destruir toda memória dos “opressores” para que nunca mais se tivesse lembranças de períodos sofridos. Neste momento, usou-se o bom senso, em que pese apenas o argumento de que a preservação destas lembranças, livrariam as gerações futuras de retornarem ao status anterior, no sentido de haver um retrocesso do processo de democratização da sociedade.
E aqui começa a nossa análise. O termo revolução segundo o dicionário de filosofia DE JAPIASSU E MARCONDES (2006) significa
    No contexto político uma reviravolta, uma alteração radical e profunda de uma sociedade em sua estrutura política, econômica, social, etc..., geralmente por meios violentos e de forma súbita entre a ordem anterior e um novo projeto-políco-social. (p. 241)
Portanto, revolução não tem uma identidade fixa que se possa imaginar o estado de bem estar social. Pelo menos, não  na opinião de todos. O maior exemplo disto são as revoluções militares ocorridas nas décadas de 60 e 70 nos países da América Latina. Se transferirmos essa discussão para o trabalho do arquivista em momentos de crise social, haverá necessariamente uma prioridade na organização dos documentos. A exemplo do que ocorreu na França no período citado, havia uma intencionalidade na guarda dos documentos. Eles serviriam para um determinado grupo que defendia determinadas idéias e, por estar no poder, iria defender mecanismos de manutenção de suas idéias no poder. O trabalho do arquivista, neste caso, acaba por se submeter à ordem vigente.
Hoje, com o advento do avanço das novas tecnologias de informação e comunicação – NTICs, onde informação não é mais poder, e sim, conhecimento e potencialização dele, o arquivista passa a ter uma nova demanda social com seu perfil profissional crescentemente importante para a gestão documental sem vínculos ideológicos ou submetidos ao julgo de ordens superiores, ainda que haja correntes dentro desta disciplina que o coloquem em posturas submissas ao regime em que se localiza.
A função do arquivista moderno é colocar à disposição da sociedade aquilo que foi escondido dela durante toda a sua existência. Neste sentido, o arquivista retoma para si a função que até então se imaginava mais aproximada do historiador. Com uma responsabilidade ainda maior, pois se ao historiador era dado como natural a coleta de dados e provas documentais para comprovar seus argumentos, em que pese que fosse um equívoco inconsciente e até certo ponto, inevitável, ao arquivista contemporâneo é dado o papel inter e multidisciplinar de ser colocado à serviço de outras ciências afins. Em outras palavras, cabe ao arquivista criar uma gestão documental que volte os arquivos para profissionais de todas as áreas, bem como repensar uma relação que o aproxime dos usuários de qualquer identidade, resgatando assim, a memória oficial e não oficial, dos incluídos e dos excluídos, dos estabelecidos e dos outsiders da humanidade.


ACAIS, PATRIMÔNIO MATERIAL E IMATERIAL DOS NORDESTINOS


O Acais é um sítio localizado na entrada do município de Alhandra, Estado da Paraíba, onde residiam nas décadas de 20 e 30, antigos juremeiros que recebiam em suas terras pessoas de todas as partes do Brasil para auferirem graças como benzimentos, trabalhos espirituais e coisas afins. Há de se salientar que, o culto à Jurema Sagrada tem raízes profundas no Estado da Paraíba e se caracteriza como culto religioso com influência do catolicismo europeu, dos cultos aos orixás e da pajelância indígena, composto de 7 cidades espirituais representadas por árvores de jurema preta ou branca, cujas partes dela, localiza-se na região litoral paraibana.
O fato é que, após a morte de Maria e Zezinho do Acais[1], e de alguns outros antigos juremeiros, o sítio foi passando de geração em geração, até que foi vendido. Por ser uma religião de muita inserção na Paraíba e no Brasil inteiro, pois foi difundida para outras regiões, as terras do Acais são sagradas para os atuais juremeiros, em especial da Paraíba e de Pernambuco, que estão travando uma luta pelo tombamento daquelas terras em parceria com as Universidades de Pernambuco (UFPE), Paraíba (UEPB e UFPB) e Rio Grande do Norte (UFRN).
Mas essa luta não é nova. Desde a década de 70, a partir de Pai Adão de Pernambuco vem-se travando uma batalha para sensibilização social no sentido de que se preservem aquelas terras aos juremeiros e à própria sociedade como um bem material. Pretende-se a construção do museu dos juremeiros e a organização  documental em suporte de papel que, encontra-se sem nenhum tratamento adequado. Trata-se enfim de revisitar uma cultura baseada em registros orais próprios de religiões praticadas em terreiros, dado que significa a preservação da memória de um setor social marginalizado por não constar nos anais das religiões ditas “oficiais” pelo sistema vigente.
Para se ter uma idéia da problemática do Acais, a área incluída, nesta empreitada, compreende o mausoléu do Mestre Zezinho do Acais, morto na beira da estrada, próximo onde se encontra o monumento construído, as terras onde se encontrava a casa de Maria do Acais e o pequeno centro onde ela fazia suas atividades religiosas e a Capela de Nossa Senhora do Acais, localizada na frente das terras onde se pretende erguer o museu dos juremeiros ou a partir do alicerce da antiga casa, ou na ausência deste, a reconstrução à luz de registros fotográficos da época em que existia.
Por trás da capela, existe o túmulo de um dos descendentes de Maria do Acais, o chamado Mestre Flósculo onde há uma escultura feita de cimento em forma de um tronco cortado de uma árvore de jurema. A escultura possui um valor afetivo e cultural para sobretudo os adeptos da Jurema, no entanto, não é difícil inferir que, na hipótese de tombamento, seria infinitamente mais fácil que a capela e não o túmulo com a escultura sejam preservados, pois, a capela tem uma ligação íntima com a religião oficial, enquanto o túmulo, do ponto de vista da religiosidade, tem significado apenas para os juremeiros.
Há uma necessidade, urgente, de levantamento desta memória do ponto de vista documental. As federações intervieram em momentos diferentes neste processo, porém o que se tem de concreto, hoje, é que a dificuldade desta luta em reconstruir a memória desta religião fica mais distante. O professor Luíz Assunção[2], ao ser abordado sobre a reconstrução do Acais, culpabilizou a Universidade Federal da Paraíba e as federações da época pelo estado em que se encontram, hoje, aquelas terras, chamando-os de omissos e responsáveis pelo descaso com a memória de um povo. Isto de fato faz sentido, vez que, do ponto de vista técnico cientifico, neste caso, do olhar embora inicial do arquivista, graves omissões e erros foram cometidos. Não há um mínimo de organização dos documentos nem projetos de revitalização dessa memória. 
Verificamos, já como atividade de levantamento da documentação, que no prédio da sede da federação que fora concedido pelo prefeito Osvaldo Trigueiro em 1982, para o culto da jurema, funciona uma oficina mecânica, um lava-jato e um escritório imobiliário: tudo que não gera renda nenhuma para a federação e muito menos algum benefício para o chamado povo de terreiro. Além disso, em 1997, no relato da pesquisa que resultou de um vídeo pela professora Elisa Maria Cabral identificou-se o rumo distorcido e pouco responsável  tomado pelos atuais dirigentes do Acais,  no concernente a preservação  do patrimônio de Alhandra como berço da Jurema Sagrada. Na monografia do curso de Bacharelado em Ciências Sociais da UFPB[3] feita pelo estudante Stênio José Paulino Soares há outro relatos negativos sobre esta questão.
Mesmo com toda as contradições e desgastes sofridos pelo culto ao longo dos tempos, até pela forçada religiosidade do brasileiro, não se pode dizer que o culto acabou ou está correndo nesta vertente vez que, há, hoje, um despertar de movimentos intelectuais e do próprio culto em direção a sua revitalização. Nesse sentido, houve, no dia .... uma grande manifestação no Acais de juremeiros e juremeiras de Pernambuco e Paraíba para inauguração e aposição da placa no memorial de Zezinho do Acais, tornando-se um dia de orações e pedidos. Foram produzidos alguns vídeos, mas não podemos dizer que houve alguma repercussão maior, no entanto inicia-se um processo que iremos acompanhar amiúde.
As experiências mostram que não basta uma mobilização, esta tem que ser acompanhada de uma batalha judicial e legalista, ou seja, neste contexto, órgãos como o IPHAEP e o IPHAN tem uma importância fundamental no processo de tombamento daquelas terras. Neste sentido, a Universidade passa a ser uma parceira indispensável para reorientar o processo; outra precaução a ser tomada é a de que não se pode olhar para um patrimônio histórico desta grandeza com olhos meramente financeiros. Ao contrário, deve-se garantir a lisura, transparência e legitimidade do movimento e de seus frutos para que esteja ao alcance de usuários de todas as camadas sociais. Até porque os principais interessados, o povo de terreiro, vêm de uma camada muito humilde da sociedade que procede de um processo de rebaixamento de sua auto estima durante séculos e este patrimônio tem que estar ao seu alcance.
A terceira e última precaução é a de que se garanta a integridade dos monumentos a serem reerguidos e restaurados pois, não se pretende alçar toda uma luta para depois abandoná-la. É necessário traçar políticas de resgate da cultura construída, estabelecida e inserida nos costumes do povo brasileiro para que as novas gerações tenham conhecimento da própria história do seu povo e queira preservá-la.
Todo este processo gera documentos ricos em informação os quais serão objeto de análises do ponto de vista arquivista pois, apesar de ser uma religião de costumes orais (e o arquivista também deve ter seu olhar voltado para a oralidade), no trato, por exemplo, com as federações, é costumeiro colocar diplomas e licenças num quadro e expô-los nos templos e terreiros. Os diplomas possuem as funções de comprovar que o dono da casa ou os filhos têm as “obrigações” necessárias para ocuparem aquele espaço e, também de demonstrar para os que frequentam aquele espaço que os participantes do terreiro são legitimado por um órgão externo.
Há juremeiros antigos que guardam em suas casas e que muitas vezes não dão a importância devida, em todas as condições imagináveis, verdadeiros tesouros documentais guardados apenas sob a visão sentimental. É possível imaginar quanto da nossa história já se perdeu com a eliminação dos chamados “imprestáveis” pelos “donos” desses documentos.
Outra dificuldade, e neste caso, não é mera ingenuidade, pois se trata de pessoas que tem (têm) formação acadêmica, são historiadores e que profissionais afins que detém documentos históricos e que, talvez por uma disputa de espaço de pesquisa, tornam os guardiões” deles, tirando o direito e a acessibilidade de pesquisadores de outras áreas.
Temos assim, deslindado um debate sobre a função do arquivista moderno. O terceiro setor, as associações, como sindicatos, cultos religiosos, devem ser merecedoras de nossa atuação? Este não seria um nicho de empregabilidade do arquivista que ao mesmo tempo em que cumpre sua função social descobre que não está apenas no Estado, ou seja, no primeiro setor a necessidade de organização documental e da memória institucional?
Ao nosso ver, torna imprescindível à gestão desses documentos para que se voltem aos usuários de todas as camadas da população e, no meio acadêmico, aos antropólogos, aos cientistas sociais todos que estejam preocupados em mostrar que os costumes brasileiros são baseados em culturas de povos tradicionais os quais viveram e ainda vivem à margem da sociedade e que precisam deixar de ser alvos do preconceito e da intolerância religiosa como ponto principal para a construção efetiva da democracia nacional e da união dos povos.
Ao arquivista, portanto, cabe assumir seu protagonismo e, no dialogismo com outras áreas do saber, (re) montar essa história, através de uma gestão de documentos que saiba lidar com o jogo ideológico estatal e profissional  de modo que o material que ele manuseia seja trazido a tona aos usuários seja ele um historiador, antropólogo ou simplesmente um cidadão comum merecedor de conhecer a sua história  contada através de documentos traços de verdades que não são absolutas, mas que tecem a história da humanidade.

Referencias
SCHELLEMNBERG, T. R. (Theodore R.). ARQUIVOS MODERNOS: princípios e técnicas; 6 ed. - Rio de Janeiro : Editora FGV, 2006.
BEASLEY, Caroline Maria Guimarães. CARVALHEDO, Shirley. CRUZ, Keity Verônica Pereira da. Influência do contexto político nos arquivos da igreja católica - um estudo de caso no centro de documentação da conferência nacional dos bispos do brasil (CNBB). Acessado em 11/06/2009 no endereço: http://www.enearq2008.ufba.br/wp-content/uploads/2008/09/19-caroline_e_keity.pdf.
BARRETO, Aldo de Albuquerque. A questão da informação. Acessado em 28/05/2009 no endereço: http://aldoibct.bighost.com.br/quest/quest2.pdf.
ELIAS, Norbert e SCOTSON J. L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000
Prefeitura Municipal de João Pessoa, Paraíba. Documento de concessão de terreno. 1985.
CABRAL, E. M. A jurema sagrada. Caderno de Ciências Sociais, n° 41, PPGS/UFPB, Centro de Ciências Sociais. Universidade Federal da Paraíba. 1987.
SOARES, Stênio José Paulino. Anos da chibata: perseguição aos cultos afro-pessoenses e o surgimento das federações. Monografia do Curso de Bacharelado em Ciências Sociais. João Pessoa, PB, 2007.


[1]     Ambos figuras respeitadas da religiosidade afro  indígena.
[2]     Prof. Da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em palestra proferida na Universidade Federal da Paraíba no dia 26 de maio de 2009.
[3]     .... coordenado pelo professor Giovanni Boais, datada de